Áreas de interesse
O livro Eustáquio neves: sujeito fotográfico aborda o processo de criação de um artista que transita por diversas linguagens – transpõe a fotografia às artes visuais e vice-versa, e cuja obra trata do Brasil, de sua história violenta e dos que foram silenciados por ela. Martinelli conta que chegou ao trabalho de Eustáquio Neves a partir de uma conversa com uma grande amiga sobre artistas que evitam o tecnicismo na fotografia. Depois, ela o visitou no ateliê, onde teve acesso a seus arquivos da criação. Ela conta que sempre teve um certo incômodo em relação ao formalismo das análises acadêmicas sobre arte, ao tecnicismo e à ideia de ‘imagem pela imagem’ e, por isso, foi um alívio encontrar a teoria da criação de Cecília Salles, que considera o sujeito-autor ao mesmo tempo em que desmistifica a criação; que reconhece erros, acasos e interações das mais diversas – com interlocutores, com os materiais e com as linguagens – como integrantes do processo e substrato daquilo que vemos e chamamos de obra. Entre os principais pontos investigados por Martinelli no livro, está a intersecção entre a imagem e os processos de criação: “Todos nós produzimos imagens – seja na comunicação utilitária da rotina ou em ateliês. Algumas dessas imagens, aquelas que se encaixam em um local específico do ideário social, recebem o nome de arte. No entanto, todas elas medeiam nosso contato com a realidade e são, em última análise, mosaicos daquilo que nos constitui, nossos conflitos, desejos e, também, o conteúdo inconsciente”. Colaboram para a reflexão que o livro tece acerca da imagem também autores como Sigmund Freud, Jeanne-Marie Gagnebin, Georges Didi-Huberman, Aby Warburg e Walter Benjamin.
Em Roberto Alencar: corpo em trânsito, o autor Wagner de Miranda, em um forte diálogo especialmente com a teoria da criação de Cecília Salles, parte do princípio de que o estudo dos entrelaçamentos das linguagens nos processos de criação das artes do corpo é essencial para pensar criticamente sobre sistemas e redes artísticas e comunicacionais na contemporaneidade. Ele aborda as particularidades do trabalho do artista Roberto Alencar, o que possibilitou ao autor transbordar essa reflexão para outros processos das artes do corpo e das artes em geral, uma vez que Alencar, em sua busca poética, tem como uma forte característica promover o cruzamento de procedimentos de criação das artes do corpo com outras linguagens artísticas. O livro incide sobre alguns aspectos do trajeto de criação do artista com base em seus cadernos de desenho e documentos gerados em ensaios, temporadas, estudos e treinamentos – vasto arquivo repleto de informações/memórias/experiências que registram e refletem sobre questões poéticas e práticas do trabalho do artista. Esses registros são lidos pelo autor em interação uns com os outros e com o mundo, e destaca que o artista volta a eles sempre que é necessário: obra que é processo.
O interesse da investigação de Vinícius Gonçalves no livro Ana Maria Maiolino: projeto artístico em construção recai principalmente sobre o estudo dos processos de criação da artista ítalo-brasileira Anna Maria Maiolino. Sob a luz da teoria da criação de Cecília Salles é construído um diálogo entre as diferentes linguagens da arte e os procedimentos e recursos utilizados pela artista. O estudo de Gonçalves consolida um olhar especialmente sobre os procedimentos de criação na relação com as matérias-primas entendidas como tudo aquilo que a artista aciona para construir sua obra. O que ela seleciona, manipula e transforma em nome de sua necessidade. No âmbito da obra da artista, especificamente quanto aos procedimentos adotados, é possível destacar a ênfase que Maiolino dá ao gesto, à relação corporal que ela reivindica com os materiais que escolhe trabalhar. Assim, de forma transversal, o livro intersecciona a discussão dos processos de criação com questões relacionadas aos procedimentos, mas, também, em relação à autoria, à construção do projeto poético, à intersemiose dos meios e linguagens e às relações entre forma e conteúdo, arte e vida e entre processo e obra.
O livro Performances: ensaios sobre o espectador de Regina Gorzillo tem como principal interesse aprofundar os estudos sobre o espectador com base na leitura dos processos de criação como rede em construção. Os procedimentos das artistas Lygia Pape, Eleonora Fabião, Lhola Amira e do coletivo Opavivará! são fontes para a construção de um diálogo teórico que se dá com base nos elementos de interação das redes, evidenciando as relações corpo-espaço e os múltiplos componentes de troca experimentados pelo espectador nestes processos. A crítica de processos delineia e problematiza os aspectos e as marcas da comunicação e da semiose envolvendo artistas e espectadores no ambiente cultural. Neste livro, os fazeres dos artistas são guias para os debates sobre a performance, levando em conta as especificidades destes procedimentos e a natureza das interações entre sujeitos. Além disso, apontam para aspectos gerais da criação, como autoria, imaginação, memória e comunicação a respeito do encontro do espectador com a arte.
Em Roteiros: do roteirista espectador ao espectador roteirista, Patrícia Dourado aborda a narrativa sob a ótica dos processos de criação, que significa olhar para as obras pelos processos e para a narrativa por via do seu movimento criador. A autora conta que esse desejo foi motivado principalmente pela insatisfação diante de alguns estudos da narrativa no cinema, baseados em dicotomias como filme narrativo / filme não narrativo, filme com roteiro / filme sem roteiro. Para Dourado, interessava pensar a narrativa e o roteiro em sua diversidade de manifestações e diante da observação das práticas de cineastas diversos, entendidos, ao mesmo tempo, como criadores e espectadores. Para isso, dedicou-se à composição de um corpus de estudo complexo, composto por cineastas como Eliane Caffé, Anna Muylaert, Leonardo Mouramateus, Marcelo Gomes, Karim Ainouz, Alê Abreu e Cao Guimarães. Além da teoria da criação de Cecília Salles, a autora articula ao estudo também a teoria da narrativa de Paul Ricoeur na relação entre tempo e narrativa, pela qual o filósofo concebe a continuidade da criação no leitor/espectador; os estudos de Paulo Freire e Vilém Flusser acerca dos processos de leitura que antecedem a escrita; de Vítor Reia-Baptista e Mirian Tavares acerca da literacia do cinema; e de Jacques Rancière sobre o espectador emancipado. Juntos, estes autores são as bases para uma abordagem da narrativa em rede, que reflete sobre as práticas dos cineastas e que inclui os espectadores como criadores do processo (e vice-versa). Esta visão da narrativa junto ao estudo das práticas de roteiro conduziu o livro a uma reflexão acerca do conceito de roteiro como matéria móvel, a atravessar todos os momentos da criação e a funcionar como ferramenta de experimentação entre as diversas possibilidades de filmes, e de tradução (construção de pontes) entre os diferentes sujeitos e materialidades do processo.